André Filipe dos Santos Coelho 12ºB nº7

O HOMEM QUE CAIU DA CAMA

30-05-2011 15:21

O HOMEM QUE CAIU DA CAMA

 
Há muito tempo, ainda eu não tinha acabado o curso, uma enfermeira telefonou-me e falou-me de um caso estranho: um jovem tinha dado entrada no hospital naquela manhã. Parecia simpático, normal, e assim esteve todo o dia até há poucos minutos ao acordar. Nessa altura parecia estranho e excitado, nem parecia o mesmo. Tinha caído da cama e estava sentado no chão a vociferar, recusando-se a voltar para a cama. A enfermeira pediu-me para ir até lá e tentar resolver o problema.
Quando cheguei encontrei o paciente sentado no chão ao pé da cama a olhar para uma das suas pernas. No rosto via-se raiva, alarme, espanto e surpresa – principalmente espanto misturado com consternação. Pedi-lhe para voltar para a cama e perguntei-lhe se precisava de ajuda, mas ele pareceu ficar alarmado com a minha sugestão e abanou a cabeça. Sentei-me ao pé dele e fiz-lhe a história clínica sentado no chão. Tinha chegado de manhã para fazer uns testes, não que se sentisse mal, mas os neurologistas achavam que ele tinha uma perna “preguiçosa” (foi exactamente a palavra que usaram) e aconselharam-no a fazer testes. Tinha-se sentido bem todo o dia e adormecera pelo fim da tarde. Quando acordou também se sentia bem, até ao momento em que se mexeu. Foi então que descobriu, como ele próprio disse, que havia na cama “uma perna de outra pessoa” – uma perna humana, uma coisa terrível! A princípio ficou paralisado de espanto e nojo. Nunca lhe tinha acontecido nada assim, nunca havia imaginado nada tão horrível. Tocou na perna com cuidado. Parecia perfeita mas “estranha” e fria. Nessa altura percebera tudo: era uma partida! Uma partida monstruosa e imprópria mas muito original. Estávamos na véspera de Ano Novo e todos celebravam a data. Metade do pessoal tinha bebido demais, voavam gracejos e bombinhas, uma cena de Carnaval. Era óbvio que uma das enfermeiras, com um sentido de humor macabro, se esgueirara até à unidade de dissecação, roubara uma perna e tinha-a posto debaixo dos seus lençóis enquanto ele estava a dormir. Ficou aliviado com esta explicação mas achou que a brincadeira tinha ido longe de mais e atirou aquela coisa da cama abaixo. Mas (e ao contar isto começou a temer e a ficar pálido) quando a atirou da cama abaixo foi arrastado atrás e agora aquilo estava agarrado a ele.
“Olhe para isto!”, gritou revoltado. “Já alguma vez viu uma coisa tão horrível e macabra? Pensei que os cadáveres estavam mortos e pronto. Mas isto é estranho! E não sei como mas – é horrível – parece que está agarrada a mim!”
Agarrou a perna com as duas mãos e, com uma enorme violência, tentou separá-la do corpo. Como não o conseguiu esmurrou-a, num acesso de raiva.
“Calma!”, exclamei. “Tenha calma! Acalme-se! Se fosse a si não dava murros na perna dessa maneira.”
“E porque não?”, perguntou irritado e feroz.
“Porque essa é a sua perna”, respondi. “Não reconhece a sua própria perna?”
Ele lançou-me um olhar onde se confundia o espanto, a incredulidade, o terror e a surpresa, mas também a suspeita.
“O sotor está a gozar comigo! Está combinado com a enfermeira! Não devia brincar assim com os doentes.”
“Não estou a brincar consigo. Essa é mesmo a sua perna.”
Viu pela minha cara que estava a falar a sério e o terror apoderou-se dele. “Está a dizer que esta é a minha perna? Não acha que eu devia ser capaz de reconhecer a minha própria perna?”
“Acho”, respondi. “Devia reconhecê-la. Nem sequer imagino uma pessoa que não reconheça a sua própria perna. Se calhar é você que tem estado a gozar comigo.”
“Juro por Deus, palavra de honra que não…eu devia reconhecer o meu próprio corpo, o que lhe pertence e o que não lhe pertence, mas esta perna, esta coisa – voltou a tremer de nojo – “não parece normal, não parece real, e não parece fazer parte de mim.”
“Então parece o quê?”, perguntei, já tão surpreendido como ele.
“O que é que parece?”, repetiu devagar. “Quer que lhe diga? Não se parece com nada que existia à superfície da Terra. Como é que uma coisa destas me pode pertencer? Não sei ao que é que uma coisa destas posa pertencer…”
Ficou sem voz. Estava aterrorizado e chocado.
“Ouça-me”. Disse eu, “acho que você não está bem. Deixe-me pô-lo na cama outra vez. Só lhe quero fazer mais uma pergunta: se isto, esta coisa, não é a sua perna (em determinado momento da sua conversa tinha-se referido à perna como sendo uma ‘falsificação’ e mostrou-se admirado por alguém se ter dado ao trabalho de ‘fabricar’ uma fac-símile) onde é que está a sua perna esquerda?”
Mais uma vez empalideceu. Ficou tão branco que pensei que ia desmaiar.
“Não sei, não faço ideia. Desapareceu. Foi-se. Não está em lugar nenhum…”
SACKS, Oliver, O Homem que Confundiu a Mulher com o Chapéu, 2006. Lisboa: Relógio D’Água, pp. 78-80
 
Investiga sobre o problema que este paciente apresenta e coloca a tua resposta na caixa dos comentários.

 

 

 

André Filipe Coelho disse...

Ao recorrer à base de dados do meu consultório percebi que provavelmente este paciente sofre de hemiplegia.
A hemiplegia é uma paralisia que atinge um dos lados do corpo, causada por lesões no encéfalo, como por exemplo hemorragia, congestão ou embolia, podendo surgir também como sintoma da arterosclerose.

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